Muitas das músicas que estouraram nas rádios este ano fizeram sucesso antes no Nordeste, com outros ritmos e intérpretes.
Uma das principais pontes entre a popularidade regional e o domínio das paradas nacionais é o vocalista da banda de forró Garota Safada, Wesley Safadão, uma espécie de embaixador dos forrozeiros no universo dos ídolos sertanejos. Por meio dele, por exemplo, versos escritos por Abdias Ursulino de Araujo Neto, o Cabeção do Forró, foram parar no repertório de Bruno & Marrone: "Tentativas em vão" leva a assinatura do hitmaker potiguar.
"Os sertanejos estão privilegiando o nosso estilo. Descobriram a mina de ouro que tem no Nordeste. Eles vão nos ajudar a entrar no sul e vamos fortificá-los aqui”, prega Wesley, que já gravou "Ai se eu te pego", antes de Michel Teló. Para o cantor, fechar bons contratos com compositores de forró que cedem direitos autorais para editoras é tão importante quanto uma boa performance nos palcos. "Ter a autorização para cantar uma música é igual comprar um carro. Você compra e a música é sua", compara.
A rápida ascensão do paranaense Michel Teló, que começou como vocalista do grupo Tradição, resume a nova pegada do estilo. "Fugidinha", sucesso entre 2010 e 2011, foi escrita pelos pagodeiros Thiaguinho e Rodriguinho. “O lance de eles gravarem músicas minhas mostra que não existe mais preconceito. A mesma menina pode gostar de mim, do Luan Santana e do Restart. Abre leque para sonoridades diferente”, explica Thiaguinho, vocalista do Exaltasamba, que prepara carreira solo para 2012.
A mistura é o ingrediente principal do "sertanejo pegação", ou sertanejo de balada. A definição é do próprio Teló. Em 2011, a agenda dele foi preenchida com 220 shows, sustentados em boa parte pelo hit "Ai se eu te pego". “É como o rock, que tem vários estilos. Não desvirtua, faz parte da evolução. É para acompanhar o tempo da galera de hoje. O sertanejo entendeu o que a galera está querendo. A balada sertaneja é boa para a turma da pegação”, explica Teló.
"Ai se eu te pego" foi criada a partir do refrão de um funk escrito por Sharon Acioly, criadora da "Dança do quadrado". Há 16 anos, ela é a criadora das músicas e coreografias do Axé Moi, complexo de lazer em Porto Seguro (BA). "Usava esse refrãozinho para instigar as menininhas na frente do palco. Era para elas cantarem para os dançarinos. Isso foi em 2008", recorda Sharon. A primeira versão de "Ai se eu te pego", conta ela, foi escrita em 30 minutos, no percurso entre os aeroportos de Congonhas e Pampulha, em Belo Horizonte.
Depois de ser gravada pelo grupo Meninos de Seu Zeh, a banda Cangaia de Jegue passou a tocar. “O contrato com a Cangaia foi por um ano e registrado em cartório, para eles gravarem CD e DVD com tiragem de 10 mil cópias. Depois, cedi para o Garota Safada, nas mesmas condições. Em vez de vender minha música, como todos fazem, ganho com execução”, assegura Sharon. "Existe um mercado de compositores sem perspectiva de estourar, eles não têm conhecimento de direito autoral." O G1 apurou que os contratos de “compra” de hits de compositores de forrós variam entre R$ 7 mil e R$ 40 mil.
Vocal do Garota Safada, Wesley Safadão serve como ponte entre compositores forrozeiros e ídolos sertanejos. Por meio dele, versos escritos por Abdias Ursulino de Araujo Neto, o Cabeção do Forró, foram parar no repertório de Bruno & Marrone. Ele também gravou 'Ai se eu te pego'
O bancário baiano Cássio Sampaio prefere não abrir mão de seus direitos. "Balada", seu maior hit, foi criado em 2010, tendo como alvo a banda de axé Jammil. Neste ano, foi parar nos shows de Gusttavo Lima, ídolo do neosertanejo. Antes, foi cantada pelas bandas Estakazero e Aviões do Forró. "É estranho, mas é bom. O axé e o forró não estão tão forte como o sertanejo está. Quando a música é boa, qualquer versão funciona. 'Balada' é um axé, vai para o forró e agora é conhecida como sertanejo. Cada um escuta no ritmo que quiser", diz Sampaio.
Prepare-se para o 'housenejo'
Produtor de dois volumes do disco "Pista sertaneja", lançados neste ano pela Som Livre, Fabianno Almeida diz ter cunhado o termo "housenejo" ao enfeitar hits do estilo com batidas dançantes. "Tinha dificuldade com os BPMs [batidas por minuto] no 1º volume. Agora, ficou fácil transpor. A linguagem e as batidas parecem mais com as do house e do dance pop. O sertanejo para a noite cresceu, não é apenas 'eu te amo', é sobre a menina que passou e é uma delícia", diz Fabianno, mais conhecido por sua alcunha Mister Jam. Para ele, é natural que o gênero procure outras referências para perdurar. "Tem um reggaezinho, mistura com forró, pega a música enraizada nacional. Desse jeito, ele alcançou a fatia pop do mercado. O sertanejo já deixou de ser de raiz há muito tempo", afiança.
Bruno, que forma dupla com Marrone, concorda que 2011 foi o ano em que o sertanejo deu uma repaginada. "Ele é um dos poucos segmentos que se apresenta em todo o Brasil, nosso estilo não é regional e isso influencia bastante na hora de montar o repertório. Temos de pensar no público de outras regiões, que tem sua própria cultura", conta. "O sertanejo é o menos vaidoso dos estilos. Existem ótimos compositores em outros segmentos, não somos melhores que ninguém. O forró combina, basta lembrar da sanfona, fundamental nos dois ritmos."
Mas, para ele, há certos limites. "Surgem novos nomes e com eles as novidades, mas se você ouvir o CD do Michel ou do Gusttavo vai ouvir música sertaneja sim. Hoje, eles estão muito focados no público das baladas e a mudança pode ter essa origem. Amanhã, pode ter outro ritmo embutido em um CD sertanejo, mas o sertanejo sempre estará lá", diz. "Música romântica é música que fala de amor, independentemente do ritmo."